Estou inaugurando uma seção de perguntas & respostas. As perguntas podem ser enviadas via e-mail para: salisburiagallery@gmail.com, vou preservar o anonimato e responder aqui na newsletter.
Querido Salis, Como tankar bostil? Grata se responder, Ass. Brasileira
Minha cara senhora Brasileira,
Esta pergunta é irrespondível. Primeiro porque é de conhecimento geral que o Bostil é intankável. Eu acho, inclusive, que essa frase está na Bíblia. As maiores mentes brasileiras (os cearenses) já se debruçaram sobre esta questão e chegaram ao consenso de que o Bostil é, como as mulheres e os gaguinhos, intankável. Não tem como escapar (olha que eu já tentei, inclusive usando óculos de natação).
Eu acredito no seguinte: cada país tem o seu carisma, até os que falam francês. Os Estados Unidos têm o protestantismo e a circuncisão; o México tem prostituição barata; o Brasil tem a intankabilidade.
Este é um erro comum, aliás. Existe um esforço organizado de infiltração nas escolas para criar, desde pequeninos, a ilusão nas massas de que somos tankáveis. Todo mundo deve lembrar daquela professorazinha que chegava na aula falando de palhaçadas como a reciclagem, a inocência do goleiro Bruno e a tankabilidade deste país. Tudo mentira.
A gente vai crescendo e naturalmente tenta achar alguma explicação. Agora eu pergunto: você consegue imaginar um Criador Bondoso fazendo um carioca? Você consegue compatibilizar a visão de Justiça Divina com a morte dos Mamonas Assassinas? Se você respondeu sim, parabéns: você é a vítima perfeita para o Urubu do Pix. A principal questão é que jamais alguém conseguiu tankar o Bostil. Até o sujeito que chegou mais perto disso - o Galvão Bueno, mind you - é visto vez ou outra chorando pelos corredores do seu castelinho na Suíça quando se lembra da existência do Congresso Nacional.
O Bostil não apenas é intankável, como também é contagioso. Você pode não acreditar, mas as nações têm uma alma coletiva, uma memória ancestral. A memória ancestral dos italianos criou coisas eternas e inefáveis como o Coliseu, a Igreja Católica e os peitos da Monica Bellucci. A dos japoneses criou outros monumentos, como as crianças pianistas e o ódio aos chineses. A nossa memória ancestral aqui é responsável por, no máximo, a criação do saque a caminhões tombados ou o chinelinho de dedo. E mesmo assim eu suspeito que são idéias roubadas. Nascer no Bostil é estar infectado com a sua intankabilidade.
Segundamente, percebe-se que a própria intankabilidade do país já soporificou as suas sinapses. Você me escreveu como alguém que acabou de sair da selva depois de vinte anos de conversação exclusiva com lobos e curupiras. “Como tankar bostil?”, você me pergunta. E eu respondo: “Bostil intankável. Bostil abominação natureza. Tarzan sair Bostil e virar faxineiro em Dublin, valer mais a pena”.
No final das contas, o mais importante não é tankar o Bostil, é não ser tankado por ele.
Como deixar de ser um materialista de merda?
Nesse caso eu acho que o importante é tentar ser ao máximo um materialista de merda. O materialista é o sujeito que só acredita nos próprios olhos. Ora, então um materialista de merda é o sujeito que tenta acreditar nos próprios olhos e acaba acreditando no próprio baço, no próprio fígado. Aí já é um pouquinho melhor.
O materialista está, na hierarquia dos seres, junto com os minerais e vegetais, porque até os cachorros acreditam em fantasmas. Eu tinha um cachorro, um cocker spaniel, que conseguia farejar a iminência de alguma morte. Uma vez ele teve um piripaque na frente do meu primo. “Estranho”, pensei, “o meu primo está saudável”. No mesmo dia, o meu primo morreu pilotando o avião do Mamonas Assassinas. E aí, materialista, como você explica isso?
Agora, se você realmente quer deixar de ser um materialista de merda e se tornar um excelente materialista, vão aí algumas dicas.
Toda vez que alguma pessoa disser “Deus te abençoe”, você responde “qual deus?”, fazendo esforço para comunicar, pelo tom da voz, que você está imaginando a palavra “deus” com letra minúscula. Se preciso, faça gestos.
Quando você testemunhar algo que aparentemente não pode ser explicado por uma cadeia de causas materiais, lembre-se de que tudo o que não pode ser medido não existe. “Até a imperscrutabilidade dO Inominável?”, você deve estar pensando. Sim, até isso.
Se você perceber a vida saindo dos olhos de uma pessoa que acaba de morrer, lembre-se de que ela é apenas um ajuntamento de carne, ossos, ligamentos, cabelos e uma tatuagem do Mamonas Assassinas na panturrilha. Se o cadáver começar a emitir uma luz verde fosforescente e a dizer palavras em aramaico, lembre-se de que tudo pode ser explicado por meio de fenômenos atmosféricos e de que você é altamente sugestionável. Se o cadáver começar a cantar e a usar a caixa torácica de um outro cadáver como um vibrafone, CORRA!
Qual a melhor maneira de conquistar a gnostosa e garantir que ela não é uma degecnerada?
Primeiro de tudo você tem que achar a gnostosa. Elas são uma espécime em extinção e tendem a se esconder em lugares escuros. Você poderá encontrá-las em sebos, cuidadosamente dobradas debaixo de uma pilha de Études Traditionnelles, tentando entender alguma barbaridade que o Schuon escreveu sobre os índios. Mas nem sempre é tão simples: elas às veze se escondem atrás da orelha de senhorinhas piedosas ou no vão dos dentes do Ítalo Marsili. Algumas delas, depois de tanta leitura metafísica e da prática do dhikr, se tornam puro ectoplasma e se manifestam na forma de sussurros que todo mundo ouve na sala da faculdade em dia de prova. Uma vez uma gnostosa viveu na minha nasofaringe durante três meses. Eu achei que estava com uma simples rinite alérgica. Um dia, durante um exorcismo (o meu terapeuta recomendou 3x por semana), ela saiu para corrigir o latim do padre e TCHAM! eu a capturei numa garrafa de pitchulinha. Aliás, essa é outra característica da gnostosa: elas gostam de aparecer.
Para atraí-las, basta amarrar uma peça de Lego num galho de aveleira e balançá-lo assoviando. Elas gostam de ficar mastigando, parece que acalma. Se quiser, a pitchulinha ainda está aqui. Posso te enviar depois que o padre terminar de serrar o meu pé (pelo jeito ele já pertence ao capeta agora).